AS SETE FACETAS DE MEU PAI
Como um diamante que explode a luz em sete
cores, meu pai, Capitão Edgy Távora Arruda, durante sua longa e profícua
existência, irrompeu seu talento profissional em sete facetas. Foi militar,
administrador público, historiador, professor, memorialista, jornalista e
escritor.
Ao tentar falar sobre sua vida e seu
grandioso legado em tão exíguo tempo, fico pensando quais das facetas devo
abordar. O militar cumpridor de seus deveres? O competente administrador
público de conduta ilibada? O historiador apaixonado? O professor brilhante e
dedicado? O memorialista sonhador e empreendedor? O jornalista amante da
verdade? O escritor singular? São tantas as facetas de meu pai que confesso a
impossibilidade de abordá-lo em sua totalidade. Entretanto, sinto-me à vontade
em apresentar sua faceta de historiador, por ter dele herdado, ao lado de seu
neto, Luiz Gustavo, a paixão pela História.
Meu pai foi um historiador na mais completa
acepção da palavra. Possuidor de uma inteligência privilegiada, uma memória
invejável e, sobretudo, uma fantástica eloquência, difundiu seu saber na
atmosfera das salas de aula. Com
simplicidade, sabedoria, entusiasmo e paixão, transmitiu seus vastos
conhecimentos.
Além de professor de História, meu pai foi um
pesquisador meticuloso, deixando um importante legado histórico. Evocando o
pretérito, ele desvendou fatos que se desenrolaram outrora, nos velhos tempos,
em Monte-Mor o Novo d’América, e que estavam recobertos pela pátina do tempo.
Debruçou-se com determinação em documentos históricos, para subtrair a pátina e
trazer à luz a história da cidade que tanto amou, Baturité.
A paixão foi o denominador comum de todos os
atos de sua vida. Escondida aqui e ali por sua timidez nata, mas surgindo lá em
uma atitude, numa ação desassombrada, na frase de um discurso, no desvelo com
minha mãe e sua numerosa prole, na organização e registro das convenções da
Família Arruda. Em todas essas ocasiões, ele foi movido, com a alma incendiada,
pela paixão.
Sua existência não se restringiu apenas às
noventa e uma voltas e meia que deu em torno do sol, mas a bilhões de voltas,
por ter sido um historiador de amplos conhecimentos. Como tal, meu pai viu o
alvorecer da Terra dentro de uma gigantesca nuvem de gás e poeira há,
aproximadamente, cinco bilhões de anos. Viu os períodos pré-cambriano e
cambriano, e as primeiras formas de vida brotarem nas águas quentes e serenas
do mar.
Viu os dinossauros surgirem, dominarem a Terra
durante cento e sessenta milhões de anos, e se extinguirem. Viu, há dois e meio milhões de anos, os
primeiros hominídeos fabricarem armas rudimentares de pau e pedra, dominarem o
fogo e inventarem a roda. Viu, na
Mesopotâmia, berço de nossa civilização, surgirem a agricultura, a escrita, as
primeiras cidades e o Código de Hamurabi. Viu em Ur, nascer Abraão, pai das
religiões monoteístas, como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Viu
Sumérios, Babilônicos, Assírios, Persas e Gregos. Viu as pirâmides do Egito
erguerem-se imponentes pelo trabalho de milhares de escravos. Viu Tutankhamon,
faraó do Egito Antigo, ser sepultado com seus tesouros. Viu Cleópatra, a última
rainha egípcia, da dinastia de Ptolomeu, deixar-se picar por uma serpente. Viu
a Grécia florescer com seus filósofos e Roma expandir seu Império com seus
Césares.
Viu
Cristo ser crucificado por nos legar uma forte mensagem de paz e amor. Viu o
Império Romano ruir e a Igreja Católica se firmar no Ocidente. Viu o feudalismo
medieval, as pestes, o renascer das artes e a Revolução Francesa. Viu os reis
de França, Louis XVI e Maria Antonieta, subirem ao cadafalso e Napoleão dominar
a Europa. Viu a descoberta do Novo Mundo e o massacre impetrado pelos Europeus,
ditos civilizados, aos índios da América. Viu o homem escravizar o próprio
homem. Viu os negros africanos derramarem suor e sangue para fazer a riqueza do
Brasil. Viu a abolição da nossa escravatura e a proclamação da República. Viu,
na Inglaterra, o brotar da Revolução Industrial. Viu a Revolução Comunista e
Nicolau II, o último Czar da Rússia, ser massacrado com toda a sua família. Viu
a barbárie de duas guerras mundiais no Século XX, o holocausto dos judeus e a
bomba atômica.
Viu muito mais, mas viu, principalmente, seus
pais atravessarem a vida em uma perfeita união. Viu os oito irmãos, tios, avós,
primos, sobrinhos, cunhados e cunhadas. Viu amigos fiéis e muitos admiradores.
Viu, fascinado, minha mãe adentrar de branco a Igreja do Patrocínio, em sua
pureza virginal, para com ele entrelaçar sua vida. Viu quinze filhos, trinta e
quatro netos e treze bisnetos, além das noras e genros.
Finalmente, viu a concretização do seu sonho
de historiador. O sonho de criar o Museu e a Fundação Comendador Ananias
Arruda, e manter o jornal “A Verdade” em circulação.
Por tudo o que realizou, meu pai é merecedor
da gratidão e admiração não só dos que aqui estão reverenciando sua memória,
mas de todos os familiares e amigos que angariou durante sua longa jornada
terrena.
A morte é uma fatalidade biológica, dizia
Rosemberg. Devemos recebê-la estando quites com a vida pelas realizações que
fizemos para enobrecê-la. Neste contexto, meu pai partiu com os maiores
dividendos e, por isso, devemos cultuar sua memória e preservar o seu legado
para a posteridade. Assim, ele não morrerá nunca, estará presente sempre,
SEMPRE...
Fortaleza-CE, 29
de setembro de 2010
Ana
Margarida Furtado Arruda Rosemberg
Nenhum comentário:
Postar um comentário