quarta-feira, 21 de julho de 2021

Elegia ao Amor - Ananias Arruda e Donaninha - por: ana margarida arruda rosemberg

 

                           Vídeo - Elegia ao Amor - Ananias Arruda e Donaninha

                           Elegia ao Amor - Ananias Arruda e Donaninha


Ananias Arruda e Donaninha Arruda 17/09/2021


Foi o cupido, sim, l’amour, como chamam os franceses, quem flechou Ana e Ananias, em 1911, na casa paroquial de Baturité, onde a bela adolescente passava as férias com seu tio, o vigário Monsenhor Manoel Cândido dos Santos.

Do namoro ao casamento foram menos de dois meses e, em 17 de setembro de 1911, sob as bençãos dos familiares, o casal de nubentes trocou juras de amor eterno, ao receber o sacramento do matrimônio, oficializado por Manoel Cândido, o tio da noiva, na Matriz de Baturité.

Ele, Ananias Abnegado Vasconcelos Arruda (1886-1980), um jovem fervoroso, valoroso e promissor, de 25 anos, e ela, Ana Custodio dos Santos Arruda (1895-1941), uma bela, meiga e piedosa adolescente, de 16 anos, selaram seus destinos para sempre.

Desnecessário dizer que foram felizes durante quase 30 anos, quando a morte, a “Indesejada das gentes” ceifou a vida de Ana, conhecida como Donaninha, à margem da estrada que liga Pacoti à Guaramiranga, em um passeio domingueiro, ao lado de sua filha adotiva Rocivalda e de algumas senhoras que, como elas, estavam hospedadas no Patronato Imaculada Conceição, em Pacoti.

A causa de sua morte precoce, com apenas 45 anos, foi um provável derrame cerebral. Ananias, que na ocasião era prefeito de Baturité e se encontrava em Recife à trabalho, empreendeu uma longa e tormentosa viagem de volta.

Foi grande a comoção dos baturiteenses, principalmente de Ananias que fez, diante do esquife de sua amada, juras de amor e fidelidade até o último dos seus dias.

        Velório de Donaninha na Capela de sua Residência, em Baturité, 20/01/1941

 Confortado pela atenção e carinho das maiores autoridades civis e eclesiásticas do Ceará, de familiares, amigos e do povo de Baturité e outras localidades, Ananias acompanhou, sempre ao lado do caixão aberto, em procissão, o enterro de sua amada, passando pela antiga Igrejinha do Rosário, hoje demolida, para sepultá-la no Cemitério São Miguel, em Baturité.

          Sepultamento de Donaninha, Baturité, 20/01/2021

A notícia da morte de Donaninha foi manchete nos jornais de Fortaleza: “O Nordeste”, “O Estado” e o “Correio do Ceará”. O Jornal “A verdade”, que tinha como diretor e editor-chefe Ananias Arruda, dedicou um número inteiro à Donaninha, publicando sua biografia, sua última carta dirigida ao marido e uma carta dele para ela escrita no 7º dia de sua partida.

Mesmo devastado com tamanha tragédia, Ananias subiu a serra e mandou construir um pequeno monumento denominado “Monumento do amôr e da Dedicação”, no local onde sua amada falecera, um monumento-cenotáfio.

A primeira página do jornal “A verdade” de 2 de fevereiro de 1941, traz uma foto do monumento com a seguinte descrição.

                              Jornal A Verdade de 02/02/1941

“O nosso desolado redator Ananias Arruda, querendo render um tributo de amor e de dedicação a sua mui querida e nunca esquecida consorte Donaninha Santos Arruda, por Deus arrebatada ao Céu no dia 19 de janeiro último, na estrada de Pacoti Guaramiranga, onde fazia um passeio matinal, em companhia de sua filhinha Rocivalda e de outras pessoas. Apesar da desolação em que se acha, projetou e erigiu domingo último, no local do inesperado transpasse de sua santa esposa um belo e expressivo monumento que tem uma pequena coluna de alvenaria na qual foi encravada uma cruz de valiosa madeira em cuja base tem uma artística floreira e em sua haste está cravada uma moldura, envidraçada, vendo-se no alto uma imagem da virgem, ao centro um retrato da saudosa Donaninha e embaixo uma fotografia do desolado esposo com a seguinte dedicatória:

‘À querida e inesquecível Donaninha, que deste lugar bendito, às 9h de domingo 19/01/1941 subiu inesperadamente ao Céu, onde goza a visão beatífica e contempla a Virgem Imaculada Mãe de Deus, Tributo do amor e da dedicação de seu amargurado esposo Ananias Arruda, que deste lugar sagrado e ao pé da Cruz Redentora, banhado em abundantes lágrimas de cruciante saudade a contempla e pede a todos que por aqui passarem uma prece para a maior glorificação de sua santa consorte – 26 de janeiro de 1941’.

Na grande cruz está pregado um precioso crucifixo da Terra Santa, lembrança de Jerusalém, adquirido pelo nosso redator chefe, quando lá esteve em 1925, o qual, por ter sido tocado no Santo Sepulcro e no calvário de Jesus, está enriquecido de inúmeras indulgencias. Circundando a imagem do crucificado se vê uma bela e grande coroa de flores artificiais da qual pendem duas faixas roxas com a inscrição: Eterna saudade de seu esposo e filhos. O monumento está circundado por uma grade de ferro e tem ao seu pé uma cruz de madeira homenagem do patronato Imaculada Conceição de Pacoti”.

                  Capela de Sant"Ana – Saboeiro-CE

       Além deste local de memória, Ananias construiu duas capelas para a sua amada.  A primeira, batizada de “Sant’Ana”, erigida na casa em que nasceu Donaninha, em Saboeiro, foi inaugurada, em 21 de dezembro de 1941; a segunda, batizada de Igreja de Jesus Crucificado, conhecida como “Capela de Donaninha” e “Capelinha do Arvoredo”, erigida em frente ao monumento-cenotáfio, foi inaugurada na data do primeiro ano de morte de sua amada, 19 de janeiro de 1942.

  Inauguração da Igreja de Jesus Crucificado Pacoti-CE - 19.01.1942

A missa da inauguração da “Capela de Donaninha” foi oficializada pelo Arcebispo Metropolitano de Fortaleza Dom Antônio de Almeida Lustosa e entrou para a história como uma das maiores solenidades religiosas do Maciço de Baturité. Autoridades civis e eclesiásticas, diversas ordens religiosas e centenas de pessoas da região do maciço estiveram presentes.  Dom Lustosa benzeu a Capela, as imagens dos altares e o monumento do outro lado da estrada, que havia sido ampliado com colunas e imagens de anjos.

Embaixo da parede anterior da capela foi afixada uma placa de mármore com os seguintes dizeres:

 “IGREJA DE JESUS CRUCIFICADO, CONSTRUIDA POR ANANIAS ARRUDA, EM FRENTE AO LUGAR, ONDE NA MANHÃ DE 19-1-1941, FOI CHAMADA AO SEIO DE DEUS SUBITA E INESPERADAMENTE, SUA QUERIDA E INSEQUECÍVEL CONSORTE DONANINHA – ANA DOS SANTOS ARRUDA, SOLENEMENTE BENTA E INAUGURADA EM 19-1-1942 PELO SR. ARCEBISPO METROPOLITANO D. ANTÔNIO LUSTOSA, COM ASSISTENCIA DO ESPOSO, FILHOS, PAE, IRMÃOS, CUNHADOS, SOBRINHOS, PRIMOS; DO INTERVENTOR MENEZES PIMENTEL, SECRETÁRIOS DE ESTADO, JESUITAS, SALESIANOS, FRANCISCANAS, LAZARISTAS, IRMÃS DE CARIDADE, ASSOCIAÇÕES RELIGIOZAS, IMPRENSA, GRANDE NÚMERO DE SACERDOTES, AUTORIDADES, FAMÍLIAS DE PACOTI, BATURITÉ, FORTALEZA E SABOEIRO E GRANDE MASSA POPULAR, HAVENDO PREGAÇÃO PREPARATÓRIA DE 3 DIAS, MISSAS, GRANDE NÚMERO DE COMUNHÕES E EXÉQUIAS DE 1º ANIVERSÁRIO DE FALECIMENTO.

ANANIAS ARRUDA

PEDE A TODAS AS PESSOAS QUE VISITAREM ESTA IGREJA, UMA PRECE A DEUS PELA MAIOR GLORIFICAÇÃO NO CEU DE SUA QUERIDA E INESQUECÍVEL CONSORTE

DONANINHA DOS SANTOS ARRUDA”

Durante o dia inteiro da inauguração, várias missas foram celebradas e assistidas por centenas de peregrinos vindos de Baturité em sete caminhões, um ônibus e carros particulares.

Assim descrita no “Jornal a Verdade” da época, a capela de Donaninha está localizada à margem esquerda da estrada Pacoti-Guaramiranga, sobre uma barreira na altura de dois metros acima do nível da estrada foi idealizada e construída por Ananias Arruda, que administrou a obra a cargo do pedreiro Clovis de Barros. O acesso a mesma é feito por duas escadarias laterais. A torre foi desenhada por Orlando Luna Freire. A capela possui cinco altares. O principal é dedicado a Jesus Crucificado, possui vitrais em forma de cruz e imagens da Virgem Dolorosa, S. João Evangelista e Santa Madalena.

          Interior da Igreja de Jesus Crucificado (Capela Donaninha) - Altar Principal

Nas laterais estão os altares de Santo Inácio de Loiola, santo do dia de nascimento de Donaninha e São Sebastião, santo do dia de seu sepultamento. Mais dois pequenos altares são dedicados à São José, padroeiro da boa morte e Sant’Ana, nome de Donaninha. Uma bela estátua do Sagrado Coração de Jesus, construída pelos Irmãos Bernardini do Rio de Janeiro, encontra-se no pórtico da torre.

Em frente à capela, do outro lado da estrada, local do falecimento de Donaninha, o antigo cruzeiro, reformado, tem uma imagem de Cristo. Entre jardineiras encontram-se duas lápides. Na primeira, os retratos de N. S. Auxiliadora, de Donaninha e de Ananias que eram envidraçados, foram substituídos por porcelana, permanecendo os mesmos dizeres anteriores. Na segunda, tem uma fotografia de Donaninha no leito mortuário com os seguintes dizeres:

“Ana dos Santos Arruda, saudosa consorte de Ananias Arruda. Nasceu em Saboeiro aos 31 de julho de 1895, casou-se em Baturité aos 17 de setembro de 1911 e faleceu em Pacoti aos 19 de janeiro de 1941”.

Compondo esse monumento-cenotáfio, quatro grandes colunas adornadas com anjos. No começo e no fim das escadarias da Igreja estão outras quatro colunas também entre jardineiras e adornadas com anjos.

A Igreja de Jesus Crucificado, construída em terreno gentilmente cedido pelo Sr. Robert Gradvhool, teve autorização oficial do Governo do Estado e aprovação do Sr. Arcebispo Metropolitano.

Este belo e histórico conjunto arquitetônico, composto pelo cenotáfio de um lado da estrada, e da capela do lado oposto, apesar de tombado pelo Patrimônio Público de Pacoti, precisa de manutenção constante.

As grandes provas de amor descritas na história são monumentos que homens mandaram construir em memória de suas amadas. O mais famoso deles é Taj Mahal, edificado entre 1632 e 1653, em Agra, na Índia, pelo imperador Shah Jahan para a sua mulher preferida Mumtaz Mahal, que morrera ao dar à luz ao 14º filho.

        No Mosteiro de Alcobaça, em Portugal, Dom Pedro I (1320-1367) mandou erigir um belo e artístico túmulo para Inês de Castro, sua amada,  cruelmente sentenciada à morte pelo pai de D. Pedro I, D.Afonso IV (1291-1357).

Como prova de amor, Ananias não só erigiu uma capela-cenotáfio para sua amada Donaninha, mas manteve-se fiel à sua memória até sua morte, em 26/01/1980, com quase 94 anos, quando foi ao encontro de sua amada.

ana margarida furtado arruda rosemberg

Fortaleza, 20/07/2021

 

REFERÊNCIAS

Exemplares do Jornal “A Verdade” de 1941 e 1942.

ARRUDA, Clemente Olintho Távora Arruda. Comendador Ananias Arruda – Um exemplo de vida Cristã, Política e Social. Dois tomos. Fortaleza: Gráfica Vênus, 2001.

ARRUDA, Miguel Edgy Távora. Relembranças – lampejos de minha memória. Organizaora: Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg – Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2019.

ARRUDA, Miguel Edgy Távora. “Meu tio Ananias”. Publicado no Jornal “A Verdade”. Número Especial em homenagem ao Centenário de Nascimento de Ananias Arruda. Baturité-CE, 23 de maio de 1985.

JUCÁ, Levi.  Pacoti: História & Memória. Fortaleza: Editora Premius, 2014.

https://www.ecomuseu.com.br/trilhas-de-pacoti/capela-de-jesus-crucificado/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Taj_Mahal

https://pt.wikipedia.org/wiki/T%C3%BAmulos_de_D._Pedro_I_e_de_In%C3%AAs_de_Castro

http://familiaarruda.com.br/

https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1978/1978-OsArrudasdeBaturite.pdf

https://especiais.opovo.com.br/santificados/donaninha.html

http://www.fortalezaemfotos.com.br/2015/01/igreja-de-jesus-crucificado-capela-de.html

https://www.youtube.com/watch?v=VXIb2KQXFwg

https://www.youtube.com/watch?v=zukqDyZBMf8

https://www.youtube.com/watch?v=gG6dkLFdrYo


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